sábado, 9 de janeiro de 2010

O guerrilheiro da cultura popular tá fazendo falta: Nelson Brito, uma lacuna continua aberta.

UM ANO SEM O NOSSO GUERRILHEIRO DA CULTURA POPULAR

(Joãozinho Ribeiro)

Não queria falar de saudades, nem de tristezas neste artigo, mas todos estes sentimentos acabam se misturando quando a gente vasculha as gavetas da memória e se depara com fatos e pessoas que impregnaram de tal modo o nosso tempo, que se torna terminantemente impossível tratar de temas carregados de um conteúdo tão encharcado de humanidades sem harpejar as cordas sonoras do coração.

Quando garoto, em noite de lua alta, rodeado pela escuridão noturna, meu pai, seu João Situba, gostava de reunir a família na porta da casa, contar estórias e cismar em decifrar nos céus os segredos escondidos pelos tapetes de estrelas. Dizia, conforme sua sabedoria cabocla, que cada pontinho de luz incrustado no firmamento, com certeza representava uma pessoa que tinha atendido ao chamado de Deus para contribuir com a iluminação do mundo. Firmado nesse raciocínio, quanto mais brilhante fosse a fonte luminosa, mais generosa teria sido a sua passagem pela estação terrena e maior a sua contribuição com a claridão do universo.

Nesse tempo, a população de São Luís não se preocupava com os apagões imprevisíveis da Cemar e, sem sombra de qualquer dúvida, as noites enluaradas eram muito mais belas e compartilhadas pelas algazarras das crianças brincando de roda, de preto fugido e outras tantas invenções que as possibilidades criativas da infância permitissem.

Há um ano, um bravo guerreiro desses foi morar no firmamento, virou azulejo e transformou-se num ponto luminoso destes previstos pelo empirismo científico de seu João Situba. O dia 11 de janeiro de 2009 foi bastante pesado para todos nós outros carregarmos, assim como uma cruz coletiva embebida de lágrimas e despedidas, ferindo fundo, como um caco que corta as entranhas de nossas tênues relações com a vida e com a morte.

O Guerreiro da Cultura Popular – Nelson Brito – pregava uma peça em todos e nos deixava antes do combinado. Nem esperou pelo carnaval e muito menos pelo rompimento do sábado de aleluia, historicamente festejado pela família Laborarte. Uma comoção enorme tomou conta da cidade e de seus habitantes que o acompanharam até a “última morada” no loteamento do Cemitério do Gavião.

A morte de um artista parece ser sempre mais dolorida, ou então é a dor que dói diferente dedilhando as feridas da alma da gente. A do Guerreiro Nelson Brito não poderia deixar de cumprir este ritual, por todos os ensinamentos e solidariedades compartilhados; pelos espaços que ajudou a construir e preservar na cultura popular maranhense e brasileira; pela amizade despretensiosa que sempre cultivou e cativou entre os seus próximos ou intrigados.

Creio que uma das maiores preocupações do Guerreiro, que continua mais vivo do que nunca em nossos corações e mentes, era com a formação cultural, entendida em suas duas pontas. Na primeira, com a transmissão de conhecimentos dos mais velhos, dos mestres e mestras da cultura popular, através das oficinas de capacitação, da manutenção das brincadeiras e da valorização dos brincantes. A segunda, com as crianças e jovens, através das atividades desenvolvidas pelo Laborarte, que hoje e sempre se tornou um Ponto de Cultura, servindo de referência para todo o estado do Maranhão.

Talvez uma das maiores homenagens que pudesse ser prestada ao velho Guerrilheiro, neste primeiro ano do seu encantamento prematuro, seria o desengavetamento do Projeto de Lei dos Mestres e Mestras da Cultura Popular Maranhense, que não conseguiu chegar ao Parlamento Estadual em nossa gestão por falta de convencimento da Procuradoria Geral do Estado sobre a sua constitucionalidade, embora textos semelhantes já fizessem parte do ordenamento jurídico de estados como o Ceará, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte. Uma boa sugestão para o Secretário, Luís Bulcão, retomar como ação prioritária da SECMA, o encaminhamento deste projeto, dando praticidade ao discurso teórico da valorização da nossa cultura popular.

No plano municipal, o Presidente da Fundação Municipal de Cultura, Euclides Moreira Neto, bem que poderia aproveitar a deixa e fazer entrar em funcionamento a Lei de igual teor, de iniciativa do ex-vereador Joberval Bertoldo, que até hoje não sabemos por que cargas d’águas ainda não está sendo cumprida.

Combinando as intenções e gestos, nos plano estadual e municipal, viria a calhar muito bem, a estas alturas, a publicação de um Edital específico de premiação aos Mestres e Mestras da Cultura Popular Maranhense, pois prescindiria da aprovação de lei para atingir os seus objetivos e beneficiar diretamente os nossos guardiões da“herança deixada por nossos avós”, como bem nos lembram os versos do honorável cantador, Humberto de Maracanã.

No plano federal, o Ministério da Cultura divulgou recentemente uma extensa lista de mestres, mestras e grupos culturais maranhenses que foram contemplados no último Edital das Culturas Populares, ampliando uma participação que desde o ano de 2008 conta com uma expressiva cota de representantes da nossa cultura popular.

Nesta 2ª feira, às 19 horas, na Igreja de Santo Antonio, será realizada a missa em homenagem a um ano do encantamento do Mestre Nelson Brito, nosso Guerrilheiro da Cultura Popular. De todos nós, além da presença, tenho certeza que continuará a cobrar a lealdade e o compromisso com a coisa que tornou causa de toda a sua intensa existência – a Cultura Popular Maranhense.


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